A Reforma da Administração Local
A Reforma da Administração Local:
Que autonomia política para as freguesias?
Quero começar por previamente salvaguardar o meu entendimento, embora que sucinto, sobre a medida troikiana da Reforma da Administração Local.
Defino-a como distante de uma reforma genuína, quer por falta de uma autêntica motivação política, tendo em conta que esta emergiu por uma necessidade económico-financeira e a coberto de uma análise tecnocrata[1], quer pela ausência de um corpus científico mobilizador de modelos teóricos que facultassem estudos de estrutura com cenários socioeconómicos alternativos, onde posteriormente se pudessem fundamentar as decisões políticas. Em contrapartida estamos perante uma “reforma” fast-food, já pré-mastigada e a servir rapidamente em uns míseros meses. E está aí, já em período de debate público onde perante tudo o que tenho ouvido e lido, tem-se instalado em mim a convicção de que o eixo da Organização do Território se apresenta como a temática mais debatida e controversa, muito por conta do polémico objetivo de redução das freguesias a ter em conta na revisão do mapa administrativo das mesmas.
Lamento que assim seja.
Na verdade, a freguesia caracteriza-se como um território com autonomia política por força do ato eleitoral que a legitima. Porém, a decisão pela fusão ou agregação de uma freguesia num registo top-down e com total ausência de negociação com as populações e respetivos representantes democraticamente eleitos, anula a importância da identidade da freguesia. Não aquela identidade que aqui deve ser menos valorizada, a da história e da tradição da população e seus territórios, que no meu entendimento se projeta mais no lugar, na aldeia, ou na vila do que propriamente na freguesia, mas sim numa identidade política, ideia estruturante que sustenta a conceção de poder local como território com autonomia política. Anular sem aprovação da população a identidade política da freguesia, constitui não só uma AFRONTA aos fregueses, tendo em conta que resulta na subtração da herança política legitimada pelos sucessivos atos eleitorais, como também se revela uma TRAIÇÃO ao poder local, pois trocará a “identidade” da freguesia pela “unidade” de freguesias. Na verdade, enveredar pela fusão à revelia da sua população é tornar igual o que é diferente, é IMPOR a unidade, é uniformizar o que não é igual, contrariando outra ideia estruturante do poder local, que se caracteriza pela capacidade de olhar e gerir de forma diferente o que é diferente. Não tenho qualquer reserva à fusão ou agregação das freguesias desde que legitimadas pela vontade popular e negociada com os seus representantes.
Insistir na fusão imperativa das freguesias, é assumir não só uma arrogância política mas também um desrespeito pelo sentir das populações. Para além de se revelar uma medida inócua do ponto de vista económico-financeiro, distorcida do ponto de vista da representatividade do poder local, está para além de tudo isto a contribuir para desviar a atenção para o que na verdade é importante, discutir um novo estatuto para a freguesia com a introdução do reforço das competências próprias e respetivos meios de execução. Temo por isso que ao se dar demasiada ênfase à fusão das freguesias o debate acabe por se centrar no acessório, descurando o essencial, a real autonomia política das freguesias traduzida nas competências próprias.
As freguesias como territórios com autonomia política e administrativa estão incumbidas de um único objetivo estratégico constitutivo da razão da sua existência - a satisfação do seu freguês -, naquilo para que ela é competente e que resulta do quadro de competências próprias que lhes são conferidas por lei. Este processo de intenções requer uma gestão de expectativas gerida a partir do equilíbrio entre meios e fins adequados aos seus contextos espaciais específicos.
Por isso, esta reforma surge como oportunidade de reforçar as competências próprias da freguesia, levando em conta a nova realidade que sustenta as atuais exigências do cidadão perante a vida contemporânea. Mas competências próprias diferenciadas, pois é crucial assumir, tratar diferente o que é diferente, e por isso a freguesias diferentes, diferentes competências.
Este acréscimo de competências para as freguesias está historicamente justificado pelos sucessivos protocolos estabelecidos com os municípios que ao serem reiterados no tempo, constituem prova viva que atestam não só capacidade que baste às freguesias para as gerir, como para gerir melhor, pois só assim se justifica a continuada e insistente delegação dessas competências. Tendo em conta estes pressupostos e o facto de as freguesias serem nos dias de hoje agentes que contribuem para a mudança social, vejo com agrado e justiça a penalização da desconcentração de competências (competências delegadas) para um reforço na descentralização de competências (competências próprias), em matérias sociais e associativas, de gestão do espaço público e de gestão de equipamentos desportivos, escolares e pré-escolares a título de exemplo.
Este reforço de competências tem que ser acompanhado dos respetivos meios de execução, entre os quais os financeiros, ora por via de transferências diretas, ou pelo exercício de captação de receitas oriundas da repartição de cobranças fiscais, ora por via de autofinanciamento. Mas aqui também é preciso inovar, é preciso motivar os executivos das freguesias a serem proativos e para isso é necessário que as freguesias se constituam como parceiros estratégicos na captação de investimentos, beneficiando de parte dos benefícios fiscais para a freguesia por direito próprio.
Como facilmente se percebe este novo estatuto para a freguesia requer massa crítica nas equipas eleitas.
Esta nova realidade exige disponibilidade dos executivos das freguesias e retenho-me neste ponto porque entendo que é este também o momento de se refletir sobre a composição e o estatuto dos executivos. Um executivo que abrace uma freguesia deve na minha ótica satisfazer três condições: que queira, que saiba e que possa.
Que queira assumir um projeto, que saiba como gerir esse projeto e que possa com disponibilidade intelectual e física ocupar-se desse projeto. Estamos perante um executivo que se deseja proativo e eficaz e isto não se traduz necessariamente num grande executivo, mas sim num executivo presente, motivado e eficiente, capaz de enfrentar a complexidade dos problemas que hoje se colocam com uma visão interdisciplinar e de se apresentar apto a responder positivamente às solicitações diferenciadas a que está sujeito.
Em laia de conclusão precisamos de mais freguesia e menos centralismo, mais competências e menos voluntarismo, mais proatividade e menos conformismo, mais afirmação da freguesia e menos dependência. Precisamos que o municipalismo, não se torne num centralismo deslocado, redutor e provinciano.
Precisamos de uma VERDADEIRA AUTONOMIA POLÍTICA PARA A FREGUESIA.
[1] Os eixos de actuação têm um tronco estrutural único que tem como objectivo a sustentabilidade financeira, a regulação do perímetro de actuação das autarquias e a mudança do paradigma de gestão autárquica. (Livro Verde: 2011:6)